Publicação recente no Lancet Global Health discute algumas estratégias da indútria nas políticas públicas para o álcool
(tradução para o português de texto publicado no The Lancet Global Health em 01/05/2020)
Autoras: Ilana Pinsky, Daniela Pantani e Zila Sanchez
O comentário de Robert Marten e colegas (março de 2020) (1) explora como a regulamentação do uso de álcool está sendo extremamente negligenciada em todo o mundo. Os autores fornecem vários exemplos preocupantes sobre até que ponto a indústria do álcool (particularmente as maiores empresas, conhecida como “Big Alcohol”) está sendo escolhidas pelos formuladores de políticas por desempenhar um papel vital na contenção de problemas relacionados ao álcool, embora, na realidade, a indústria do álcool esteja interferindo e moldando as políticas para o controle do álcool e a produção da ciência.
A expansão das estratégias de responsabilidade social corporativa da indústria do álcool é central neste debate. Um excelente exemplo vem da campanha global da Anheuser-Busch InBev que aborda a questão de beber e dirigir.(2) Essa campanha envolve uma parceria com o Instituto das Nações Unidas para Treinamento e Pesquisa e Together for Safer Roads, compreendendo uma coalizão global referente a questões de segurança rodoviária. A motivação por trás dessa campanha está enraizada nos projetos da Anheuser-Busch InBev em vários países em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia e México.(2) Sua resposta proposta a questões de segurança no trânsito inclui o desenvolvimento de um sistema de dados para registrar incidentes, melhorias na infraestrutura rodoviária, educação sobre segurança viária e supervisão de tráfego.
O que está ausente nessas propostas é uma das intervenções mais relevantes para diminuir substancialmente as mortes no trânsito e outros tipos de danos relacionados ao álcool: reduzir o consumo per capita de álcool. Há décadas de dados de saúde pública para apoiar a relação entre diminuição do uso de álcool e aumento da segurança na saúde pública. Por exemplo, um estudo na Suécia descobriu que um aumento de 1 L no consumo per capita de álcool estava associado a um aumento de 17% no beber e dirigir.(3)
Apesar das evidências, seria difícil para a “Big Alcohol” adotar uma política para incentivar menos consumo de álcool. O relatório de 2019 da Anheuser-Busch InBev para investidores descreveu como a empresa baseia seu modelo de expansão de produtos em uma avaliação do grau de maturidade do mercado de álcool e no consumo de álcool de cada país. A maioria dos países da América Latina, por exemplo, provavelmente contribuirá para o crescimento da empresa, porque possui maturidade mediana de mercado e baixo consumo de álcool per capita. Somente o Brasil representa mais de 36% das vendas latino-americanas de álcool em volume(4) e é o país com a maior atividade de responsabilidade social corporativa da região. (5)
A principal mensagem das iniciativas de responsabilidade social corporativa é que tanto os reguladores quanto a sociedade precisam da indústria do álcool a apresentar-se e assumir um papel central na redução dos danos relacionados ao álcool. No entanto, por mais que reunir pessoas para um mundo melhor pareça bom, as motivações financeiras da “Big Alcohol” não se alinham às iniciativas de saúde pública baseadas em evidências para reduzir os danos causados pelo álcool. Pelo contrário, o envolvimento do Big Alcohol na saúde pública é indiscutivelmente um dos mais sérios conflitos de interesse no campo da saúde global.
1- Marten R, Amul GGH, Casswell S. Alcohol: global health’s blind spot. Lancet Glob Health 2020; 8: e329–30.
2- Anheuser-Busch InBev. Road safety: creating safer roads. https://www.ab-inbev.com/whatwe-do/road-safety.html (accessed March 11, 2020).
3- Norström T, Ramstedt M. The link between per capita alcohol consumption and alcoholrelated harm in Sweden, 1987–2015. J Stud Alcohol Drugs 2018; 79: 578–84.
4- Euromonitor International. Alcoholic drinks. https://www.euromonitor.com/alcoholicdrinks (accessed March 11, 2020).
5-
Babor TF, Robaina K, Brown K, et al. Is the alcohol industry doing well by ‘doing good’? Findings from a content analysis of the alcohol industry’s actions to reduce harmful drinking. BMJ Open 2018; 8: e024325.
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